quinta-feira, março 28, 2024
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Novo Marco Legal das Startups é avanço, mas deixa pontos importantes para trás

Por Joana Lopo e Geraldo Bastos

O presidente Jair Bolsonaro sancionou no início deste mês o novo Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador. A desburocratização do ambiente de negócios e a maior facilidade de investimentos são alguns dos benefícios apontados por especialistas. Mas também há críticas, como a impossibilidade de o investidor pessoa física abater o prejuízo de um investimento em startup que não deu certo, do imposto a pagar sobre o lucro auferido por meio de outro investimento em startup.

Mas, afinal, será mesmo que o novo marco vai promover um ambiente de negócios mais ágil e fértil no Brasil, possibilitando geração de emprego e renda? A iniciativa será capaz de acelerar o ecossistema de startups brasileiro? Quais os principais pontos? E os entraves para o desenvolvimento do setor? Para responder estas e outras questões, o INEWSBR conversou com  especialistas sobre oa assunto.

De acordo com o advogado Luis Cappelozzi, especialista em startups, da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), uma das principais alterações que pode afetar o mercado é a criação da definição legal de startups, que passa a ser classificada como organização empresarial ou societária. Para ele, em geral, a regulamentação traz muitos benefícios, mas Cappelozzi lamenta as supressões realizadas durante o processo de votação do PL, em que se deixou de lado pontos relevantes para o ecossistema do empreendedorismo no Brasil.

“A retirada de parte do capítulo de stock options, que fala sobre os incentivos de natureza tributária para inovação e tecnologia, e a exclusão das Sociedades Anônimas do regime do Simples Nacional, suprimindo a figura das Sociedades Anônimas Simplificadas, deixam muitos empreendedores frustrados e demonstram, em partes, o distanciamento do nosso legislativo com efetivas práticas do mercado”, observa.

Tiago Borges Slavov diz que um avanço importante como o novo marco é a possibilidade de as startups participarem de licitações do governo

O marco legal define a startup como empresa que tenha receita bruta de até R$ 16 milhões, até dez anos de Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e que declare em seu ato constitutivo a utilização de modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços. Outro avanço importante como o novo marco é a possibilidade de as startups participarem de licitações do governo.

“É mais um mercado para explorarem. Antes do Marco Legal essas empresas não eram reconhecidas e ficava difícil para os estados inseri-las em processo de licitação”, observa o professor e pesquisador do Centro Universitário Fecap, Tiago Borges Slavov.

Ele elenca os principais pontos do novo marco legal, dentre eles a facilitação do acesso da empresa à abertura de capital, pela simplificação de regras da CVM; a dispensa de publicação de demonstrações contábeis para S.As. com receita de até R$ 78 milhões; o acesso aos recursos de incentivos fiscais, como o da Lei do Bem; e a facilidade ao acesso de capital, com recursos de Fundos Patrimoniais ou Fundos de Investimento em Participações (FIP).

“Mas o mercado esperava mais do Marco Legal, principalmente em relação aos aspectos tributários, mas a iniciativa em implantação já é vista positivamente por empreendedores e pelos investidores, que encontrarão um ambiente com regulamentação mais transparente e com aumento da segurança em investir nas pequenas empresas inovadoras”, afirma ele. O especialista também destaca que a reação do mercado não será imediata: possivelmente somente após alguns meses ou anos, após os “testes em campo” do Marco Legal, é que o mercado poderá de fato perceber a sua relevância.

Críticas

Cássio Spina, fundador e presidente da Anjos do Brasil, criticou o veto ao art. 7 que permitia a compensação de eventuais perdas de investimentos em startups com eventuais ganhos que se tenha, sendo, segundo ele, um dos poucos artigos positivos que tinha restado, após a desidratação pela qual a lei passou na sua tramitação no Congresso Nacional.

Desta forma, diz Spina, se mantêm uma situação totalmente desequiparada no tratamento tributário do investimento em startups. Enquanto um investidor que aplica em uma empresa listada em Bolsa de Valores, que tem um risco muito inferior ao de uma startup e liquidez diária, pode compensar qualquer perda que tenha com eventuais ganhos e ainda se a empresa tiver valor de R$ 500 milhões, é isento de imposto sobre o ganho de capital, o investimento em startups, além de ser tributado como renda fixa, não permite a compensação qualquer perda que tenha.

Cássio Spina, fundador e presidente da Anjos do Brasil, criticou o veto ao art. 7

“Assim, na prática se um investidor aportar o mesmo valor em 10 startups, 9 derem errado e uma retornar 10 vezes o capital, ou seja, o resultado líquido seria zero, com a situação atual ele terá prejuízo, pois nesta que teve retorno irá ser tributado sem poder compensar as perdas que teve”, afirma Spina.

“A regulamentação nos campos societário, tributário e trabalhista precisa contemplar as características desse tipo de empresa e estar alinhada com as melhores práticas mundiais, já que essas empresas nascem pequenas, mas tem o potencial de ser globais tanto no acesso a mercados como na busca por investimentos”, completa ele.

Assim, afirma Cássio Spina, da forma que o Marco Legal foi aprovado traz poucos avanços, apenas reforçando a segurança jurídica tanto para investidores como nos negócios entre a empresa e governo. Abre possibilidades em licitações com valores limitados e na construção de Sandbox regulatório com o respaldo da legislação e da definição de startup presente na mesma. “São melhorias insuficientes para alterar a velocidade de crescimento do ecossistema e colocar o Brasil em linha com a regulamentação dos ecossistemas mais inovadores do mundo, o que é fundamental para startups, que participam de um mercado globa”.

O advogado Pedro Henrique Ramos diz que o texto sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro não prevê qualquer modificação na Lei do Bem

O Projeto de Lei autorizava que o investidor, pessoa física, abatesse o prejuízo de um investimento em startup que não deu certo, do imposto a pagar sobre o lucro auferido por meio de outro investimento em startup. Para os especialistas, a modificação nas regras fiscais traria um fomento ao ambiente de inovação e beneficiaria o investidor que utiliza o seu capital em projetos considerados de alto risco. O dispositivo que previa a vantagem tributária, porém, foi vetado por Bolsonaro.

Segundo Pedro Henrique Ramos, sócio no escritório Baptista Luz Advogados e o primeiro a apresentar as propostas para o Marco Legal das Startups, o texto sancionado pelo presidente não prevê qualquer modificação na Lei do Bem (Lei nº 11.196/05), que permita o aproveitamento pelas startups dos benefícios fiscais nela previstos. “Importante mencionar que, atualmente, a Lei do Bem é utilizada, quase que exclusivamente, por empresas de médio e grande porte, o que exclui desse benefício uma parte considerável dos projetos desenvolvidos na área de inovação no país, capitaneados por startups”, destaca.

Números do setor

Atualmente, no Brasil, existem 13,7 mil startups, de acordo com dados da StartupBase, base de dados oficial desse ecossistema brasileiro da Abstartups (Associação Brasileira de Startups). Conforme o Coordenador de Negócios Inovadores do Sebrae Bahia, Tauan Reis, elas estão em todos os setores e segmentos do comércio e serviços.

“Estão presentes na economia criativa, no turismo, no agronegócio, na indústria e em muitas outras áreas. Falar de Satrtups é falar de inovação. A tecnologia evolui muito rápido, a gente vive hoje em uma revolução digital, o mundo é digital. As inovações são fundamentais para tudo que vivemos. Com as empresas não seria diferente, elas também precisam mudar, criar novos produtos, serviços e processos. As startups avançam justamente nesse momento de transformação. Vieram para ficar”, completa Reis.

Segundo dados do relatório Inside Venture Capital da Distrito, só nos cinco primeiros meses de 2021, as startups brasileiras receberam US$ 3,2 bilhões (cerca de R$ 16,25 bilhões) em investimentos, volume que representa 90% do total investido em todo o ano de 2020, de US$ 3,54 bilhões. Sendo que entre as empresas que mais atraíram investimentos até agora foram as fintechs. O relatório aponta que foram 57 investimentos neste ano em empresas deste segmento, com um volume de US$ 1,158 bilhão em aportes.

SAIBA MAIS 

Principais pontos da lei sancionada

Enquadramento das startups: além da necessidade de que a empresa se autodeclare inovadora, há duas condições objetivas: só será considerada startup a empresa com receita bruta anual inferior a R$ 16 milhões e que esteja registrada no CNPJ há menos de 10 anos. As condições mais restritivas de enquadramento deveriam possibilitar a concessão de benefícios mais acentuados a esse tipo de empresas – o que, no entanto, não ocorreu.

Proteção aos investidores: investidores que aportarem recursos em startups usando os instrumentos listados na nova lei não serão atingidos por eventuais dívidas da empresa investida, inclusive em recuperação judicial. Isso propicia mais segurança jurídica aos investidores, reconhecendo o fato de que estes, ao investirem em uma startup – aposta que, por sua própria natureza, já é de risco – não estão dispostos a arriscar também seu patrimônio, deve aumentar o apetite pelo investimento em startups.

Simplificação nas S.A.: sociedades anônimas que faturem até determinados limites poderão ter apenas um diretor, realizar suas publicações legais pela internet e substituir seus livros tradicionais por registros eletrônicos. A redução de custos permitirá que startups adotem esse tipo societário, que é preferido pelos investidores por considerarem que isso garante melhor governança e maior proteção. Também se prevê que a CVM regulamentará condições facilitadas para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais.

“Sandbox regulatório”: é estimulada a criação de ambiente regulatório experimental que garanta condições especiais simplificadas para que empresas inovadoras sejam autorizadas temporariamente pelos órgãos competentes a desenvolver novos modelos de negócios e testar tecnologias experimentais. Isso conferirá maior liberdade para as startups desenvolverem soluções inovadoras.

Compras governamentais: cria-se um regime especial de teste de soluções inovadoras para contratação pela administração pública, no qual se poderá dispensar a apresentação de parte da documentação de habilitação ou a prestação de garantias, além de se permitir o pagamento antecipado de parcela do preço contratado, assegurando à startup os recursos necessários para começar a implementar o projeto. Ao conseguirem vender para o Estado, as startups ganham escala e competitividade. Já o Estado passa a contar com a capacidade dessas empresas de trazer respostas inovadoras para problemas da sociedade.

Os vetos ocorridos

O governo vetou dois dispositivos:

O Art. 7º do projeto de lei criava uma compensação de perdas de danos para os investidores, segundo a qual ganhos de capital auferidos por um investidor pessoa física em startups levariam em conta as perdas incorridas em investimentos em outras startups, reduzindo o imposto a ser pago. Contudo, o governo disse que tal medida não possuía avaliação de impacto orçamentário e não indicava as medidas para compensar a perda de receita do Poder Público.

Foi vetada a inclusão do inciso V no artigo 294-A na Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), que conferia à CVM a atribuição de dispensar ou modular a forma de apuração do preço justo e sua revisão, na forma dos §§ 4º e 6º do artigo 4º e no artigo 4º-A, que determinam, em síntese, que nas companhias abertas, os titulares de no mínimo 10% das ações em circulação no mercado podem requerer aos administradores da companhia que convoquem assembleia especial dos acionistas para deliberar sobre a realização de nova avaliação da companhia.

O que havia ficado de fora? Áreas trabalhista e tributária

Stock options: O Marco Legal acabou não regulando os planos de opção de compra de ações (stock options). Trata-se de importante mecanismo de atração e retenção de talentos, engajando colaboradores ao abrir a possibilidade de eles se tornarem sócios do negócio, o que é especialmente importante no caso das startups, já que estas dependem de mão de obra altamente qualificada mas possuem poucos recursos para remunerar bem seus colaboradores. Segue pairando relativa insegurança jurídica sobre o tema no país.

Aspectos tributários: não vingou a possibilidade de que startups optem pelo regime tributário diferenciado e favorecido do Simples Nacional sem estarem sujeitas a alguns impedimentos, como o de se organizarem sob a forma de S.A. Também não se encontram na lei incentivos fiscais, como a redução da tributação dos investimentos anjo (hoje equiparada àquela da renda fixa) ou a dedução da base de cálculo do IR de valores integralizados no capital social de startups.

FONTE: NELM ADVOGADOS

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